quinta-feira, 19 de abril de 2018

Uma visão mais evoluída sobre a relação com os cães

Uma visão mais evoluída sobre a relação com os cães


Eu estava lendo uma reportagem sobre autocontrole e fiz uma analogia com os nossos cães. Eles tem a natureza instintiva como motor de suas ações. O sistema desejo-ação-recompensa/punição é o clima mais importante de suas vidas. Meditar sobre as consequências de seus atos não é uma faculdade que os cães possuem.
Veja como a sociedade exige tanto dos cães e determinadas raças. Os cães não tem condições de entenderem a razão de serem presos em correntes e sofrerem tanto nas mãos de pessoas sem condições de possuirem os mesmos. No passado atávico os cães foram sendo forjados numa convivência progressiva, pacífica e posteriormente funcional do lobo com o homem. Cruzamentos paulatinamente selecionados tendo o longo tempo como testemunha foram criando o cão mas sua origem primordial foi o lobo que é selvagem.
Se nós tratamos o cão com maldade, com selvageria, com privação de uma mínima liberdade ou propiciando qualquer tipo de sofrimento as consequências são imprevisíveis. Nem todas as pessoas tem condições de terem um cão. Eu até entendo que a maioria das pessoas não está preparadas para ter qualquer animal. O ser humano tem dificuldade de lidar consigo mesmo e com o seu semelhante o que se deprende que conviver com um animal destituido de recursos de comunicação seja mais complexo. Na verdade não é visto dessa maneira pois o cão nós podemos fechar num canil, amarrar numa corrente, prende-lo ou soltá-lo, alimentar com comida ou ração e assim por diante é bem mais fácil do que tratar uma criança. Para uma criança ou um adulto nós temos que nos cuidar para cada atitude. Nossas responsabilidades sociais são imensas e seremos punidos pelas leis se formos movidos pelo descaso ou agirmos contra as leis da convivência. Já o animal nos dá a sensação de que podemos fazer o que bem entendermos que ele entenderá, ou melhor, suportará calado ou nem entenderá por ser apenas um bicho, um ser sem inteligência como a nossa. É assim que a maioria das pessoas entende a relação com os animais. Por essa razão que tantos prendem um cão numa corrente que o neurotiza. E essa atitude não ocorre somente com a pessoa ignorante. Meu dentista mantem acorrentado o seu pastor alemão numa corrente. Ele afirma que isso não afeta o seu comportamento. Mas quando eu fui visitá-lo ele colocou dentro de um canil com receio de que pudesse acontecer algum acidente. Ele acha excelente também uma ração que por ser barata e esteja mantendo ele bem seja uma opção excelente. As pessoas de modo geral fazem seus próprios entendimentos sobre o que seja a realidade de um cão e formam uma filosofia pessoal do comportamento animal. Não estudam o assunto e agem conforme a praticidade.
Essa é a grande "vantagem" de ter um cão. Temos um ser com forte relação de proximidade com o homem, conquistado pelos séculos de convivência mas podemos até sacrificá-lo, obrigarmos a confinamentos ou tratarmos com descaso sem o risco de sermos presos ou taxados como insensíveis. Ao contrário de nossa relação social onde fica evidente se somos bons ou maus no cão podemos descarregar ou sublimar toda a agressividade e frustração pessoal sem risco de cadeia ou de sermos agredidos. Um cão fiel baixa a cabeça e sofre calado pois se resigna. Ele não visualiza outra opção.

No homem o que ocorre é uma batalha entre os centros responsáveis pelo processamento dos desejos e do impulso – localizados no sistema límbico – e os que colocam em prática a razão, abrigados no córtex pré-frontal. Um lado pressiona pelo prazer e recompensa. O outro, pela ponderação sobre a oportunidade e os benefícios reais que o prêmio trará. Mas no cão o processo é mais arcaico pois não possui as potencialidades do sistema pré-frontal. Precisamos então cuidarmos muito a maneira como o tratamos desde cedo. Os primeiros tres meses são extremamente importantes. Sendo assim, do mesmo modo que tratamos com carinho e perseverança no equilíbrio da relação e estímulo de suas capacidades menores, para criarmos uma criança com menos recursos cognitivos e assim obtermos um ser humano melhor, mais ainda com um cão. 

Acompanhava na televisão um trabalho que vem sendo feito com crianças com Sindrome de Down, o Mongolismo. No passado essas crianças eram tratadas como debilóides e deixadas de lado. Ficavam de fato retardadas ao extremo e descartadas. Com a evolução do entendimento desses portadores da trissomia do 21 hoje vemos pessoas com essa sindrome trabalhando em repartições publicas, em mercados, namorando e vivendo dignamente.

Finalizando, quando acontece um relato de um pitbull que agrediu uma pessoa da família ou um transeunte lembrem de tudo o que relatei. Não podemos exigir que um cão, independentemente de sua raça, destituído do arsenal que temos de entendimento agir com equilíbrio se não oferecemos as condições mínimas para que ele entenda que é bom ser socialmente tranquilo. Se para o homem é tão difícil equilibrar o desejo, o instinto com a força de vontade imagine para um cão que é criado como um ser descartável, amarrado numa corrente e desrespeitado. No momento que a sociedade respeitar a natureza animal e entende-la melhor perceberá que é um desatino pensar em extinguir determinada raça. É uma pena que certos colunistas sociais sensacionalistas ou até mesmo dirigentes de entidades cinófilas simplórios tenham tanta penetração para expor suas idéias absurdas e destituidas de bases na realidade. Perseguir uma raça é tão absurdo quanto desejar eliminar os judeus movido por um pensamento nazista antisemita.

Preparar melhor o homem para a convivência com os animais através de campanhas informativas e criar leis que punam severamente aqueles que maltratam os mesmos e ainda os deixem liberados para atacarem é uma exigência social. Urge um melhor esclarecimento e uma melhor atuação dos mecanismos de proteção social. O equilíbrio começa pelo homem e termina com o cão.

Nelson Filippini Almeida
Médico e criador da raça American Staffordshire Terrier (um parente muito próximo do pitbull).

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